PÓS-GLOBALIZACAO, ADMINISTRAÇÃO E RACIONALIDADE ECONÔMICA. A SÍNDROME DO AVESTRUZ
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Abstract
A abordagem teórica crítica estabelecida pelo grupo de intelectuais conhecido coletivamente como Escola de Frankfurt e, neste sentido, enquanto méthodos e epistéme, tem um programa (a dialética da Razão e da Ciência calculistas), e constructos analíticos definidos, fiéis ao marxismo. Via rigorosa, conhecimento auto-reflexivo, argumentação intelectualmente competente (capaz e legítima), e ousada (inovadora e fundadora), bate-se contra a Razão instrumental, contra o destino da Ciência à legitimação do status quo, e contra a práxis intelectual fragmentadora do real em linhas de montagem de causas e efeitos a priori contrária à totalidade e à contradição dialéticas. A Síndrome do Avestruz de Omar Aktouf é um exercício exemplar de aplicação dos princípios críticos frankfurtianos. Com o liberalismo e o neo-liberalismo, diz-nos Aktouf, a economia se torna economicismo, uma medida universal da atividade humana, possibilitada pela transformação de seu sentido original (norma de condução do bem estar da comunidade), via a exacerbação da racionalidade instrumental, na acumulação pela maximização da rentabilidade financeira, ou crematística, cujo protótipo é a especulação, que faz dinheiro de dinheiro. O capitalismo produtivo cede lugar ao financeiro. O mundo e a realidade se coisificam em mercadoria, justificados como lugar de estoque de dinheiro. Do ponto de vista crematístico, isto só é possível com a avaliação do mundo e da realidade enquanto inesgotáveis e com a compressão do fator trabalho. A partir da eqüivalência energia-trabalho-transformação nos sistemas naturais, o agente que viabiliza a transformação da economia em crematística é a empresa, porque "o trabalho é para a empresa o que o metabolismo é para o organismo vivo e natural" (p. 180), o que a torna um sistema termodinâmico, cuja vocação é a maximização (outputs>inputs) do lucro, quer dizer, energia suplementar que junta-se aos inputs do sistema expressa em "valor agregado, quantidades monetárias" (p. 180). A criação de riqueza não pode existir como tal, mas, sim, como degradação irreversível de energia útil em energia inútil. O lucro é momentâneo; deve-se a uma dupla extração contínua e exponencial: no ambiente interno da empresa, a do trabalho; no ambiente externo, à degradação física e social. Donde a necessidade paradigmática de o capital aumentar contínua e exponencialmente via a transformação degradante do trabalho e do ambiente, cuja regularização deve ser vista como obstáculo à empresa agente, porque tende a tornar o momento lucro mais fugaz. Assim, o capital busca territórios onde estes fatores sejam baratos, isto é, não regularizados pelo Estado, possibilitando um posicionamento pelos custos (baixos salários) e pela diferenciação (alíquotas tributárias mais atrativas) porterianos. Eis o cerne dialético da globalização. A administração globalizada (homogênea) o será enquanto globalizante (homogeneizante).
As objeções que, no prefácio, Federico Mayor Zaragoza faz a Aktouf (p. 13), não são todas pertinentes. O livro, muito fundamentado e rigoroso na argumentação, quando criativo, porém, é breve: quando, por exemplo, propõe inovadores desdobramentos ao conceito de mais-valia extra, a partir dos conceitos de valor excedente absoluto e relativo em Marx (mais-valia pela manipulação das percepções; pela manipulação da subjetividade e das energias libidinais; pela redução exponencial, individual e coletiva, do custo do trabalho [p. 136-139]), e os relaciona a modismos conceituais no campo dos EOA. São merecedores de um capítulo individual, as provocações, pistas temáticas de investigação, novos horizontes conceituais.
Se considerarmos que a literatura fundadora dos modismos mencionados por Aktouf está radicada na prática de consultoria de seus autores principais adotada como literatura acadêmica na formação de administradores, esta relação é inteiramente defensável. A consultoria, por natureza casual, deve ser socializada na Academia como pesquisa, do contrário torna-se uma mera narrativa, que, como tal, não se rege senão por normas da literatura ficcional e por leis da Retórica, que, tendo o fim de convencer, deve conter seus parâmetros de credibilidade estabelecidos de antemão, sob o risco de virar uma fraude. O consultor não está submetido às regras da publicação acadêmica, e pode cometer uma argumentação totalmente casuística do tipo "conforme me disse um alto dirigente de uma grande companhia do setor X", coisa que é interdita ao que submete trabalhos a seus pares, se quiser ser publicado.
A Síndrome do Avestruz é um livro vertiginoso: intenso, rápido, perturbador, frankfurtianamente pessimista em teoria e otimista na prática. No que se refere aos docentes profissionais da academia estudiosos das organizações e de sua administração, ele tem o seguinte a dizer. (1) Urge modificar, e muito, a natureza (a administração pode ser um fazer; mas é, em igual, talvez maior medida, um saber), o método (socializar a leitura sobre o fazer como fazer é uma falácia), e o conteúdo (substituir a disciplinaridade linear pela multidisciplinaridade crítica) do que ensinamos. (2) A administração como agente do capital não leva as organizações ao que a própria administração chama de sucesso: a racionalidade instrumental administrativa tem definidos limites na formulação de estratégias, e implicações para o meio ambiente que podem ser medidas a médio e longo prazos. O corolário do desenvolvimento e crescimento organizacionais irremediáveis é que eles se dão às custas do aumento desordenado dos inputs de toda ordem, inclusive, e muito provavelmente, de outras organizações locais e setoriais tomadas como tal. Aktouf nos propõe pensar: em quase todas as cidades há uma feira; nas quadras das cidades há um mercadinho; seu sucesso é a mera (?) (sobre)vivência servindo àquela comunidade. O fato de isto não vir a ser considerado pela Academia como digno de nota, estudo, investigação é em si um juízo categórico e, como tal, desprovido de saber, mas pleno de ideologia.
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