O CAMPO DA ATENÇÃO À SAÚDE APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988: UMA NARRATIVA DE SUA PRODUÇÃO SOCIAL
Main Article Content
Abstract
Este livro decorre de uma tese de doutorado apresentada pela autora ao PPGA-UFRGS. Ainda que se origine de um trabalho produzido para obtenção de um tÃtulo acadêmico, não espere encontrar o formato tradicional e o texto que vem de lugar nenhum. Pelo contrário, o texto é extremamente situado, autoral e posicionado. Aliás, caso não fosse assim, este seria um caso tÃpico de incoerência entre teoria e forma. Isto porque a autora afirma, desde o inÃcio, a necessidade de superar o paradigma funcionalista hegemônico como condição indispensável para exercitar o princÃpio ético crÃtico adotado - uma ética centrada no valor da liberdade e da vida, que vê na materialidade negada da produção, reprodução e desenvolvimento da vida humana em comunidade o fundamento da crÃtica social. A partir dessa postura, baseada nas formulações de Enrique Dussel (2001), a autora vai buscar uma atitude filosófica que seja coerente, encontrando-a na hermenêutica gadameriana; uma metodologia de pesquisa que não mutile o objeto a partir de pré-concepções do senso comum, encontrando-a no construcionismo; e teorias que lhe permitam aproximar-se do objeto de estudo de modo reflexivo e crÃtico, encontrando-a em sua elaboração pessoal a partir das formulações de Pierre Bourdieu e de Carlos Matus.
A construção teórica realizada é bastante complexa, misturando diversos campos de conhecimento. Trata-se de um texto que se localiza no campo das novas humanidades, recusando o sistema de disciplinas, explorando interdições, levando a sério problemas anulados pelas disciplinas dominantes.
O livro se constrói aos poucos. Encontra-se, primeiro, uma apresentação dos caminhos para compreender e da opção pelo construcionismo hermenêutico. Esta opção decorre da decisão de enfatizar a ação social e da adoção da noção de produção social. Se a suposição central do estudo é que a realidade é construÃda por atores sociais em interação só resta o caminho da perspectiva construcionista, que afirma que tanto o sujeito como o objeto, tanto o conhecimento quanto os critérios de validação, todos resultam de processos de construção social. A ênfase na hermenêutica gadameriana, por sua vez, se deve ao reconhecimento de que verdade e significado se referem a operações criativas por parte do entendimento humano, que é sempre interpretativo e nunca simplesmente representacional. Daà decorre a linha de coerência que orienta a narrativa que se seguirá: a historicidade, a mediação da linguagem e a interpretação como diálogo.
Já para produzir seu texto, a autora adota a vertente hermenêutica crÃtica, para quem a narrativa é o modo através do qual organizamos nossa experiência do tempo como uma fusão do passado, do presente e do futuro. Para que uma narrativa se constitua, é indispensável a existência de uma intriga, entendida - a partir de Aristóteles - como a unidade inteligÃvel que conjuga circunstâncias, cenas, atores, finalidades, meios, iniciativas e conseqüências. Aqui, talvez, a construção mais interessante do livro: a organização da intriga em torno da disputa pela definição de conceitos.
A narrativa do livro será, então, construÃda em torno dos atores sociais em interação que, a partir de seus interesses especÃficos, recursos de poder e posicionamento, disputam a definição dos conceitos que configuram o espaço de posições do campo da atenção à saúde - direito e descentralização. Aqui é importante destacar que a autora tem uma longa trajetória nesse campo, o que certamente lhe permitiu perceber que ocorriam mudanças de rumo na trajetória da formação da polÃtica de saúde sem que os princÃpios formalmente declarados tivessem se alterado. Para aproximar-se dos textos, e desopacificá-los, a autora utiliza a análise crÃtica de discurso.
Algumas palavras sobre a construção do objeto de pesquisa. Tradicional e hegemonicamente, a saúde tem sido tratada, no contexto brasileiro, segundo o modelo sistêmico. Assim, o primeiro passo de Maria Ceci, no sentido de romper com a doxa, é o de realizar uma breve desconstrução desse modelo, considerando tanto suas implicações para a organização da atenção à saúde quanto, principalmente, suas conseqüências para a análise de polÃticas públicas. Como alternativa escolhe a representação do objeto através da imagem de campos de poder. O campo, segundo Bourdieu (1996), é compreendido como um espaço de posições, entre atores sociais, em uma relação de mútua exclusão. O campo é uma construção empÃrica, só podendo ser descrito a partir de critérios que precisam dar conta de um conjunto de diferenças que separam os atores e que permitem que um conjunto de relações apareça. O campo é definido pela especifidade da luta e por aquilo que nele está em jogo.
A pesquisa que constitui o foco do livro foi, então, organizada a partir de uma série de escolhas: rejeitar o modelo sistêmico e buscar alternativas; identificar a potencialidade da concepção de campo de poder para compreender fenômenos sociais; analisar as relações de poder que ocorrem no campo; identificar os conceitos centrais cuja definição é disputada - direito à saúde e descentralização; identificar quais as definições dominantes, quais atores sociais estavam interessados no jogo e como se posicionavam; seguir a trajetória da relação entre os atores posicionados; identificar os atores e as posições a partir das suas ações discursivas, que foram sendo registradas ao longo da narrativa; sintetizar as acumulações resultantes, principalmente sob a forma de leis e normas que objetivam uma determinada definição conceitual.
Não pretendi apresentar os resultados do estudo, reproduzir a narrativa. Considerei mais adequado, dado o foco da RAC, interessá-los pela construção teórico-metodológica realizada pela autora. Não apenas por algumas novidades, considerando o contexto brasileiro da administração, mas pelo cuidado, coerência e autenticidade com que isto foi realizado. Assim, mesmo que você não se interesse por polÃtica de saúde ou por administração pública, este livro traz uma interessante e relevante contribuição para os estudos organizacionais brasileiros, considerando sua qualidade teórica e seus aspectos inovadores.
Download data is not yet available.
Article Details
Since mid-February of 2023, the authors retain the copyright relating to their article and grant the journal RAC, from ANPAD, the right of first publication, with the work simultaneously licensed under the Creative Commons Attribution 4.0 International license (CC BY 4.0), as stated in the article’s PDF document. This license provides that the article published can be shared (allows you to copy and redistribute the material in any medium or format) and adapted (allows you to remix, transform, and create from the material for any purpose, even commercial) by anyone.
After article acceptance, the authors must sign a Term of Authorization for Publication, which is sent to the authors by e-mail for electronic signature before publication.